Antonio Nunes de Souza*
Meus queridos pais,
Sei que vocês hoje estão sofrendo bastante por eu estar aqui internado na FEBEM em virtude de ter, juntamente com alguns amigos, roubado um carro para ir bombar nas baladas da noite, tomar uns drinks e curtir as cachorronas do funk. Sei que foi uma loucura, mas, maior loucura foi à noitada que passamos até a “cana” chegar e acabar com a festa.
Entendam que a juventude hoje é bem diferente do tempo de vocês. Na hora da diversão, quando mais radical for a aventura, mais nos seduz a participar, porque o importante é a adrenalina que se espalha pelo corpo todo e nos deixa felizes e realizados.
Reconheço o grande sacrifício de vocês para que eu freqüentasse um bom colégio, terminasse o segundo grau e me colocarem num cursinho pré-vestibular dos melhores, com o intuito de me verem daqui a uns anos, com uma beca recebendo o canudo de doutor. Mas, infelizmente, a casa caiu e estou aqui curtindo um sol quadrado por uma temporada que deverá ser de dois anos, que, sabiamente, procurarei aproveitá-la como já estou aproveitando da melhor forma possível. Creio que esse foi o destino traçado para mim!
Posso lhe adiantar algumas coisas que já aprendi aqui com os colegas, que jamais imaginei que pudesse existir e estou caprichando ao máximo nas seguintes qualificações profissionais, que dão mais grana que qualquer formação das faculdades:
Já sei fazer ligação direta em qualquer carro sem que o alarme dispare e desligo com precisão o chip que permite o carro ser perseguido. E imagine pai, abro qualquer porta de veículo sem precisar de ferramentas, utilizando umas treitas que a turma aqui tira de letra. Na parte de falsificação de assinaturas tenho tido um pouco de dificuldade, pois minha letra sempre foi péssima e é preciso dominar bem nossa caligrafia para copiar outra qualquer. Mas, mesmo assim, dos meus 15 colegas de cela, já imito igualzinho a assinatura de sete deles. Faço carta para as famílias deles e os pais nem desconfiam. Creio que vou chegar à perfeição.
Nunca pensei que abrir um cadeado ou uma fechadura Yale fosse tão simples. Apenas com um clipe, em questão de segundos estouramos qualquer porta ou portão sem deixar o mínimo vestígio de arrombamento. Incrível pai! Só você vendo como é o máximo e não fique chocado não, pois a vida hoje é outra!
Como tenho uma cultura melhor, consegui a simpatia do chefão da unidade. Chefão que eu digo é o interno que manda em nós todos e é respeitado até pelo diretor da casa. Ele me dá a maior guarida e me colocou ao seu lado como um assistente e conselheiro. Por essa razão todas as atividades são ensinadas a mim com a maior boa vontade para não desagradar o Big Boss.
Hoje mesmo estou aprendendo a negociar com drogas aqui dentro, cujo método é o mesmo utilizado aí fora, dando-me assim uma condição de quando sair, poder ser até um chefão de uma facção na favela ou na cidade. Esse cargo pai é invejado por todos. Mas, se eu for indicado pelos chefões, a turma toda baixa a cabeça e minha palavra é mesmo que um tiro. Se bem que a “responsa” é grande, mas a nota também. Veja que fantástico! Qualquer droga que me mostram, mesmo com os olhos fechados, somente pelo cheiro eu identifico. E olhe que só tenho aqui seis meses. Tem nego aqui que demora mais de um ano e ainda erra com um simples haxixe.
Embora eu não goste, mas, queira ou não o curso tem que ser completo. E, logicamente, já conheço e sei manejar algumas armas pesadas, somente com as explicações que os mais experientes me dão. Esse negócio de “trêsoitão” é para a turma dos menores de catorze anos. De quinze em diante a patota só fala em R15 e “metranca”. Essas aulas de manejo são para assaltos a banco e para rechaçar os pilantras que ousarem invadir nossa área. Ou outras operações menores como: seqüestros relâmpagos, caixas eletrônicos ou assustar policias atirando nos postos.
Como vocês estão vendo, de qualquer forma estou aproveitando bem o tempo que estarei aqui, dedicando-me ao máximo em aperfeiçoar-me dignamente, para não envergonhar vocês quando for solto depois dos dezoito meses que faltam. Vou botar inveja em muita gente com meu retrato sempre estampado nos melhores jornais!
Já decidi que serei um chefe de facção de uma grande favela, morando na cidade e comandando tudo de longe, como fazem com maestria os chefões dos esquemas. E, se por acaso as coisas não derem certo, farei uma plástica, trocarei meus documentos, me candidato e serei deputado federal ou senador. Lá é até melhor porque podemos fazer tudo isso com imunidade parlamentar e ninguém condena ninguém porque todo mundo tem rabo preso.
Termino pedindo perdão porque sei que não era isso que vocês queriam, mas prometo que não faltará nada nunca mais para vocês e terão a maior boa vida possível e orgulho do seu estimado filho.
Um grande beijo,
Robertinho muito doido (esse é o apelido que me botaram aqui, pai).
*Escritor (Blog Vida Louca – ansouza_ba@hotmail.com)
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