Antonio Nunes de Souza*
Literalmente, posso dizer que fui convidado para uma festa. Mas, em princípio, se a idéia era essa, mudanças radicais foram introduzidas no pacote.
Animado e feliz, segui de carro até Ilhéus e peguei o avião até Salvador, onde me encontraria com meu anfitrião no aeroporto as 18:15 horas. Até aí tudo bem! Cheguei tranqüilo e fiquei aguardando Marcos que, pelo trânsito e a chuva, só chegou as 19:15 hs. com apenas uma horinha de atraso. Encarei como normal já que ele estava organizando uma réplica da “Viagem ao centro da terra”, que a seguir vocês saberão o “por quê” desse título.
Depois dos beijos e abraços, que bom você chegou, bem vindo a Salvador e outras rasgações de seda, seguimos (eu, ele e Hiltinho) para o gueto em busca do DJ e suas parafernálias. Mermão! O homem mora no cu de Judas, se é que o cu de Judas é tão complicado como imaginamos. As ruas são mais estreitas do que as amizades de polícia com traficantes. Embora o aspecto ambiental fosse mais bem urbanizado que uma favela, as características sombrias não ficava nada a dever. Uma verdadeira boca de 09. Até para achar o cara foi uma verdadeira picula, mas, com a ajuda do celular, terminamos encontrando a peça, acompanhado de sua espertíssima namorada, que veio a dar um toque especial nos festejos.
Colocadas as caixas de som, equipamentos, CDs e outras porras mais na caminhonete de Louro (no caminho Marcos encontrou Louro e trocou de carro) seguimos como sardinhas em direção ao ônibus, já repleto de convidados e putos pelo atraso de duas horas. Chegamos no maior oba, oba, arrumou-se a imensa bagagem e, ao gritos de euforia, todos foram tomando seus lugares, sem saberem que a partir daquele momento, estavam começando uma viagem inesquecível.
Como um interiorano desambientado, passei a analisar a equipe ali reunida e, pelos aproximadamente 25 que já conhecia, vi logo que se tratava de um suicídio alcoólico coletivo, daqueles tramados por profetas de seitas macabras.
As únicas expressões que vieram em minha cabeça foram: Puta que pariu! Que porra está fazendo aqui um velho da terceira idade?
Mas, como a experiência nessas horas tem uma puta validade, encarei com garra e entreguei-me ao Deus dará esperando o que viria pela frente.
Como guerra é guerra, resolvi dividir em equipes qualificadas o especial batalhão ali reunido, pois, para qualquer ataque, tínhamos a bordo: Esquadrilha da fumaça, Especialistas em pó químico, Absorvedores de Álcool Anidro, Caçadores e Caçadoras Urbanas e Selvagens e um pequeno grupo de indefinidos para contatos mais amenos com os nativos. Assim sendo, estávamos prontos para o que desse e viesse pela frente.
Casualmente, sentei-me bem atrás de duas elétricas e hilárias figuras, fazendo com que eu sempre lembrasse que se tratava de um passeio ecológico. Pois eu olhava pela janela via a flora e, em minha frente, a fauna estava solta e com toda corda. Havia um louro entre os passageiros, porem bebendo calado, mas os gays da minha frente é que eram verdadeiros papagaios, que nervosos pela demora, não queriam dar o pé não. Era a bunda mesmo! Falavam pra caralho, porém, sempre dando um toque inteligente de humor e fazendo com que a galera desse risadas e bebessem cada vez mais.
Como estimulante inicial contávamos com Whisky, cerveja, cachaça, vinho, refrigerante, mineral e gelo. Porém, como partíamos para o desconhecido e poderia acontecer uma guerrilha, levamos um arsenal de ponta composto de bombas para fazer fumaça, pó químico e algumas bazucas camufladas para ataques mais eficientes e rápidos. Com certeza, se os emissários da ONU entrassem naquele ônibus, estaríamos todos em cana, pois estávamos totalmente fora dos padrões e normas internacionais. Felizmente, 90% do esquadrão tinha passaporte azul (ligados a alta cúpula do Itamaraty) e isso dava certa tranqüilidade para passar nas barreiras e postos de fiscalização. Entretanto, como precauções tinham a bordo quatro advogados já munidos de habeas corpus preventivos para eventuais acidentes de percurso. Nada faltou durante o longo e tenebroso percurso. Como alimento fomos agraciados com um pãozinho sacana, escalado propositadamente para dar azia na putada amante de vinho, pois com os manguaceiros eles se foderam sendo dissolvidos pelo álcool pesado e continuado.
Parecia que tínhamos perdido a rota, pois a porra do ônibus jamais chegava ao destino e, além da demora pela distância, tínhamos que parar de meia em meia hora para xixi, uma vez que o veículo não disponha de WC (o transporte era grátis, mas classe econômica –Mineiro fodeu com os baianos nessa cláusula). Entretanto, tudo isso era motivo de farra e descontração. Quanto mais demorava, mais a cana comia solta. E o grupo disfarçado de Apaxes, como os celulares não falavam por estarem fora de área, enviavam mensagem de fumaça dizendo aos familiares que estava tudo tranqüilo e maneiro. Querendo ou não, todos os passageiros ficavam mais defumado do que bacon.
Já no cu da madruga, mesmo com a utilização do arsenal de combustível, todas as equipes, mesmo as mais dinâmicas, já estavam no limite da paciência e pediam a Deus para que apontasse a bela e maravilhosa Igatu.
E não deu outra, ao raiar do dia, começamos a descer uma serra que mais parecia uma cratera vulcânica, balançando e fazendo curvas como se fosse uma montanha russa, deixando nossas bundas doloridas pelos tombos. De braços abertos e sorridente estava Ulisses nos esperando e contando com o faturamento tranqüilo daquele fim de semana de baixa estação.
Na maior merda, todos descemos para pegar nossas bagagens, pois tínhamos ainda uma petit maratona até a chegada propriamente dita. Graças a Deus tinham duas caminhonetes para esse trajeto, senão seria um verdadeiro morticídio subir meia hora de estrada super irregular com as malas nas costas.
Chegamos nas pousadas, tomamos café e fomos tomar banho e descansar para enfrentar o ápice da festa de aniversário, que seria a parte musical e dançante, comandada pelo DJ e sua partner sedutora.
As acordações começaram as 12:00 horas. Uns foram para a piscina (a água mais fria do que cu de foca no inverno do ártico), outros foram às visitações turísticas e os mais heróicos e resistentes começaram novamente a beber. Houve somente um soldado do pelotão que deu sentinela sem interrupção, desde a hora em que entrou no ônibus, até as 19:00 hs. do dia seguinte. Este fazia uma apologia a Fidel e Che e gritava todo instante: Cuba Libre! Cuba Livre!. Estava mais chapado do que a própria Diamantina. Qualquer vento poderia derrubá-lo. Aliás, nem precisava de vento, bastava que houvesse espaço para ele virar batatinha e se esparramasse pelo chão. O coitado caiu mais do que a bolsa de NY no ano da decadência. Ficou mais amarrotado que moto-boy atropelado na Avenida Paulista. Pareceu-me mais uma auto fragelação do que uma comemoração. Não entendi porra nenhuma, mas que foi foclórico e inusitado, foi.
As 18:00 horas o Dj armou a bateria musical e começou a zorra total! O whisky e a cerveja voltaram a rolar aos baldes e o batalhão de heróis, firmes e fortes, mandaram ver na dança e nos requebrados. A mulher de Dj parecia uma carrapêta e não parava um minuto. Hiltinho, com sua maneira peculiar de dançar (ele dança até a cintura em um ritmo e da cintura para baixo outro. Vá ter coordenação motora assim na puta que pariu), partia para cima não dando tréguas assediando-a em todos os momentos. Vi a hora dele tomar uma surra de CDs aplicada pelo DJ. Mas, nada aconteceu, pois ele só fazia cantar: Tô nem aí, Tô nem aí!
A animação era total e a alegria do aniversariante era vista e demonstrada através de lágrimas incontidas, pequenas investidas e bebidas engolidas. Mesmo sendo um batalhão militar de elite, sua composição civil era altamente eclética: casados, solteiros, namorados e gays. Os mais sagazes poderiam até se armar, porém, só um, comprovadamente, conseguiu o Béu prazer. Se outros conseguiram, as camuflagens foram perfeitas. Eu até que tentei, mas dei o bote errado.
Marrom acordou branco, calado, quieto e comportado. Continuou participando mais como ouvinte e observador. Também, pelo que aprontou na viagem, era para ter que dar um tempo longo na reposição de energia. Mesmo sendo viado elétrico, uma hora tem que parar para recarregar as baterias.
Meia noite e o pau comendo solto, o whisky levado foi acabando e passamos a consumir o bar da Pousada e o desprezado Passaport que Marrom gentilmente levou. Eu fui tomar um banho e dormir alguns minutos para refazer-me e agüentar até o fim, tudo em honra ao meu passado de velho guerreiro. Voltei 40 minutos depois, lépido e fagueiro e fui dançar com a mulher do DJ, pois ela, embora não fizesse minha linha, era degustável em ocasiões emergenciais. E essa era uma delas, porém, nada rolou pela vigilância paradoxalmente distraída do DJ.
Parou a música e, aqueles que ainda tinham voz, cantaram parabéns para Marcos que parecia a cachoeira do Niágara de tantas lágrimas que desciam.
Depois de beijos e abraços foi servido um delicioso macarrão à Bolonhêsa para revitalizar a galera e o bode começou a aparecer nos semblantes.
Nesse momento fiquei sabendo que o nosso soldado cubano havia tomado mais uma queda e tinha recebido mais ponto do que toalha bordada do Ceará. E, como conseqüência, havia apagado completamente. Mas, como o show não pode parar, voltou a rolar música e o salão, já menos cheio, tremia com o entusiasmo dos ainda sobreviventes.
Aos poucos todos começaram a recolher-se com o pensamento voltado para a longa viagem no dia seguinte e, entre duas e três horas da madruga, encerrou a música e todos foram dormir.
Na manhã seguinte, a partir das 09:00hs, já ouvia-se o ruído dos madrugadores que tomavam café e partiam para as poucas visitações nas cercanias da pousada, para pelo menos poder contar que estiveram realmente em Igatu. Eu, particularmente, fui apenas no lindo e pequeno museu, fazendo um percurso que, pelo meu estado físico, me pareceu um triatlo para Iron man. Desci a ladeira cansado e subi morto. Quase fico lá para ser vendido como antiguidade ou souvenir.
As 13:00 hs. todos já estavam reunidos no salão da pousada, suas sacolas arrumadas e comendo algo para aguardar o momento da volta. Inegavelmente, havia certo ar de intranqüilidade no semblante de todos com relação ao retorno, mas, não passou disso. A viagem de volta foi deliciosa, principalmente por ser durante o dia. Bebeu-se bem menos, dormiu-se mais e as paradas para xixi foram mais bem vistas e aceitas, pois serviam para estirarmos as pernas doloridas pelas danças e deslocamentos e, ao mesmo tempo, esvaziarmos nossas abarrotadas bexigas. Se alguém cagou pelo caminho, foi bastante discreto(a), pois não se percebeu esse detalhe desabonador.
Nossa última parada foi para jantar. E quando seguimos o silencio era quase que completo, pois todos estavam cansados e ávidos para pegar as suas camas.
As 11:00 hs. chegamos a Salvador, nos despedimos todos e, enquanto partiam para suas casas, eu e Marcos ainda fomos levar o DJ e sua cobiçada mulher no labirinto do gueto.
Sem sombras de dúvidas foi uma festa inesquecível e digna do amigo que tanto amamos, que escolheu enterrar de vez embaixo das pedras de Igatu, suas antigas façanhas e apelidos de Marcos Piranha e Marcos Galinha e, a partir dos quarenta anos, tornar-se o mais fiel dos homens. Que Deus o conserve assim!
*Escritor (Blog Vida Louca – ansouza_ba@hotmail,com)
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