Antonio
Nunes de Souza*
Pacientemente
fiquei a espera de um novo contato com vovô, mas, na verdade, sabia que
demoraria, pelo menos duas semanas para dar tempo a sua ida ao Purgatório,
fazer seu “Seminário de Adaptação”, tomar também conhecimento se ficaria de
quarentena, ou não, purgando alguns dos seus maiores pecados!
Entretanto,
como sempre ocorria, bastou eu acabar de almoçar e me deitar no sofá para ver o
jornal Hoje, com dez minutos, chega meu avô, com um ar agoniado, porém com sua
tranquilidade habitual nos gestos e olhos. Sentou-se ao meu lado e foi logo
dizendo:
-A
coisa está ficando cada vez mais difícil. Minhas economias alimentícias já
acabaram, está meio barra conseguir uma boa quantidade das que vem de
contrabando do Paraguai, pois tem uns figurões lá que arrematam tudo. E hóstias
no câmbio negro lá é mesmo que dólar e muito acima do preço oficial!
-Fui
ao Purgatório e pude ver que lá você chora e a mãe não vê. Tem um tal de um
Desembargador Moro (parece que é o pai ou avô do juiz do Paraná), que, depois
de examinar a sua ficha de vida terráquea, despacha imediatamente, a sentença
que lhe compete e, sem delongas, ou direito a entrar com defesas, você vai
cumprir o determinado e, se reclamar, a pena é dobrada automaticamente!
-E
comigo, foi a seguinte minha condenação: Passar uma semana no Inferno, sem
regalias, acompanhado juntamente com um importante diabo que atende pelo nome
de Malvadeza, todos os métodos e lugares onde os maiores pecadores cumprem suas
sinas e pagam os grandes pecados cometidos. Pelo apelido desse homem você pode
ver que não é flor que se cheire!
Meu
Diabo guia chamou duas “capetaxis” (motos que atendem no inferno), montamos na
garupa e os diabinhos socaram o pé na velocidade, quase voando por entre as
fogueiras e pequenos vulcões que alimentam de fogo os ambientes do inferno. Só
não me caguei de medo, porque fantasmas não cagam, senão teria me borrado todo.
Mas, Malvadeza ia sorrindo e se divertindo com minha cara assustada. Primeiro
paramos em uma série de lareiras quase em brasa, todas cheias de gente gemendo.
Ele me disse: Esses são pequenos castigos para pecadores de terceira categoria
que, por bondade de Satanás, depois de um ano nesse modesto sofrimento,
voltarão para o purgatório, cumprirão algumas peninhas complementares e, se
tudo correr bem, irão para o céu.
-Imaginei
logo as merdas que iria ver adiante! E isso com um calor filho da puta sem
poder dizer nada!
Seguimos
nos ‘capetaxis” até chegarmos a umas enormes piscinas de aço inoxidáveis,
cheias de azeite quente até a boca, e dentro abarrotadas de gente, gritando e
pedindo perdão, alguns dizendo que estavam arrependidos, outros dizendo que foi
acidente, etc., o fato era que era uma cena monstruosa, terrível e, Malvadeza
ainda mandou fazer umas ondas no óleo para “refrescar” as cabeças dos judiados!
Juro que me deu vontade de vomitar com tamanha barbaridade, porém, imagino as
desgraças que aqueles caras fizeram para estarem naquela situação. Os vivos
perversos e criminosos, ruins e egoístas que se cuidem! E esses eram apenas os
de segunda categoria, fiquei imaginando o que acontece com os de primeira
categoria!
Continuando
a nossa rota, paramos numa planície que, ao longe, toda amarelinha, me pareceu
um quadro de Van Gogh, mas ao chegar perto vi que era simplesmente fogo que saía
da terra de meio a meio metro, com labaredas de dois metros de altura e, nos
diversos cercados de 200 metros quadrados, com mil homens cada um, sendo queimados
e assados como se fossem aqueles frangos vendidos nas padarias. Em outros
cercados estavam cheio de pecadores estupradores e xenófobos que, centenas de
“Diabogays” enfiavam nas bundas deles os tridentes em brasa, se vingando das
discriminações e perversidades que sofreram na terra. Esses eram os de primeira
categoria e mais ruins durante suas passagens pela terra!
-Depois
de ver tudo meu netinho, uma semana de sofrimento somente de ver que, quanta
gente que se diz boa na terra terá que enfrentar, voltei para a Central
Infernal, me despedi de Malvadeza agradecendo a gentileza e, mais que depressa,
saí pela janela voando direto para o Purgatório, levando embaixo das asas meio
chamuscadas o meu “Certificado Satânico” de turismo infernal!
-Voltei
para o céu, completamente amofinada e vi que por pouco escapei de sofrer tantas
desgraças, que muitas pessoas acham que não existem. Pois, vocês ruins e
miseráveis vão ver e sentir o que lhes aguardam depois da morte!
Vou
dar um tempo sem aparecer, pois já estou meio manjado no céu, meu anjo da
guarda (gente boa) já está me chamando a atenção e, como a minha intenção é
vasculhar a vertente espírita, terei que estar bem municiado de hóstias para
conseguir meus passes na surdina. Beijos e abraços meu neto querido e espero
que tenha lhe tirado uma série de dúvidas, tenha lhe deixado bem informado para
você ainda ter tempo para se redimir e chegar no céu com todos os direitos,
inclusive receber logo “Minha nuvem, Minha Morte” com quarto e sala, ou até com
dois quartos!
*Escritor
– Membro da Academia Grapiúna de Letras – AGRAL – antoniodaagral26@hotmail.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário