segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Lembranças!

Antonio Nunes de Souza*

Recostado em sua velha e antiga espreguiçadeira de lona, descansando a cabeça em um pequeno travesseiro, ele começou a rememorar algumas passagens da sua vida, mostrando e demonstrando a lucidez que ainda morava em sua cabeça que, mesmo com todas as intempéries do tempo, conservava como se fosse o único patrimônio que conseguiu juntar ao longo da sua desastrada vida!
Olhou para mim com seu olhar meio mortificado em função dos seus noventa e quatro anos e, com a voz pausada, porém firme, começou a debulhar algumas das suas peripécias do passado, vividas nas noites boemias em diversas cidades do sul do estado. Não foi a toa que seu apelido desde a puberdade era “Garanha”, que nada mais era que uma corruptela da palavra garanhão, simplificada, pois, naquela época esse adjetivo qualificativo era considerado nos meios sociais como indecente e imoral. Era o mesmo que você dizer: fudião. E isso podia ser um orgulho para o rotulado, mas condenado pela tola e fútil sociedade. Naquele tempo você poderia ser um homossexual ou garanhão, porém tendo que disfarçar muitíssimo suas funções por serem bastante condenadas. Bem diferente de hoje que dar o chicote é um orgulho e ser fudião merece um troféu!
Começou lembrando o seu tempo de freqüentador de cabarés para dançar com as prostitutas, tomar suas cachacinhas entremeadas pelas cervejas, fumando seu cigarrinho Continental, vestindo seu terno de linho branco e calçado com seus sapatos Clark de duas cores. Depois de tomar muitas, já suado e excitado, escolhia a melhor puta e ia para o quarto satisfazer os seus impulsos e desejos, sabendo que aqueles prazeres eram pago, mas, não importava nada, pois o maravilhoso era ouvir das vagabundas os elogios de “gostoso, aí meu filho, você demais e me enlouquece, etc.”, tudo isso era um tempero para que tudo funcionasse a contento.
Passei, praticamente, toda minha vida com as mulheres da vida, mesmo estando casado não deixava de dar meu bordejo noturno no puteiro, para tomar umas e, normalmente, ir pra cama com uma das meninas. Juro que não tenho inveja de Pelé porque ele fez mil gols, pois eu também comi mil Xoxotas! E acho que gozei mais do que ele!!! Disse isso sorrindo com sua boca desdentada, mas com uma satisfação grande dado ao brilho projetado pelos seus olhos. Só tive uma filha que é essa que hoje toma conta de mim, talvez porque não tinha nem tempo de transar em casa, pois quando chegava da rua já vinha satisfeito dos desejos sexuais. Como também eu, como muita gente, achava que nossas mulheres eram mais para tomar conta das casas! Se eu fosse fazer isso hoje iria tomar tanto corno que o pescoço quebraria pelo peso dos chifres!
Ganhei até muito dinheiro na vida, mas apliquei 80% em bebidas, mulheres, jogo e cigarro. E, os 20% restantes, tolamente, gastei com bobagens!
Dizendo essa última frase, baixou a cabeça e começou a cochilar. Eu levantei-me lentamente para não acordá-lo, despedindo-me de sua filha deixando um abraço para meu querido amigo Garanha.
Uma hora depois, quando sua filha entrou no quarto para levar seu jantar, que era uma sopa, tentou acordá-lo, mas, aquela altura meu amigo que na verdade chamava-se Francisco, estava morto, levando consigo suas doces lembranças!

*Escritor – Membro da Academia Grapiúna de Letras de Itabuna – antoniodaagral26@hotmail.com


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