*Antonio Nunes de Souza
-Saia
imediatamente, seu cachorro! Gritou Tereza para o marido, espumando de raiva
pelo que achava que ele havia aprontado.
-Mas, meu bem...
-Meu bem uma merda! Não quero mais ver sua cara
aqui em casa e vou falar com Dr. Artur para dar entrada nos papeis de nossa
separação. E uma coisa eu lhe digo: Vou dar um jeito de arrancar o que puder de
você, pelos cinco anos que passei ao seu lado dando o maior carinho e amor, e
você aprontando nas minhas costas.
-Você não deixa nem eu me expli...
-Não quero ouvir nada! As evidências são claras e
não deixam dúvidas! Bem minha mãe dizia que você parecia ser um homem ótimo,
mas achava que você era um sonso cretino, pois homem é uma raça desgraçada. Por
isso que está aumentando cada vez mais o lesbianismo.
-Eu vou sair porque você parece que enlouqueceu.
Já começou a dizer coisas absurdas e, além de tudo, confessar que sua mãe com
aquela carinha de santa me malhava as escondidas, isso já é demais.
Dizendo isso, saí batendo a porta, mas ainda tendo
tempo de ouvir Tereza dizer que não voltasse, pois ia mudar o segredo da
fechadura e que eu fosse dormir na casa da puta que me pariu.
Peguei o carro indo sem direção definida, pensando
na loucura que estava se passando na cabeça de minha mulher, pois na verdade
ela estava completamente enganada com relação ao que estava me acusando.
Depois de dar algumas voltas pela cidade meditando
sobre o que fazer, resolvi procurar Júlio, meu melhor amigo, para contar o
acontecido e aconselhar-me como fazer para esclarecer aquele grave mal
entendido.
-Júlio, estou numa merda que não tem tamanho!
Cheguei já gritando de uma maneira que espelhava completamente a gravidade da
situação.
-Calma, cara! Senta aí e me diga qual é a bronca.
Algum problema de doença ou dinheiro?
-Ficaria feliz se fosse isso, mas é muito pior!
Tive uma briga com Tereza e ela me botou pra fora de casa e disse que vai pedir
a separação. E o pior é que não existe razão nenhuma para o que aconteceu.
-Ora porra! Estou pensando que é problema, meu
amigo! Briga de casal acontece toda hora. E daqui a pouco você volta e depois
de um papo já estarão aos beijinhos.
-Com minha mulher não é assim não. Ela é radical
em certos casos e nesse que ela criou em sua cabeça ela não admite ou perdoa em
nenhuma hipótese. Mas o pior é que nada aconteceu, foi simplesmente um mal
entendido.
-Se você pode me contar, então comece logo que eu
já estou curioso. E, sabendo do fato, poderei fazer algumas ponderações
ajudando a esclarecer e mudar o rumo das coisas.
-Claro que conto, pois não tenho segredos para
você, ainda mais que tudo não passou de um equívoco. Foi o seguinte:
Saí hoje cedo para o trabalho e Tereza falou que
ia ao médico e depois ao dentista, somente voltaria ao meio-dia e nos
encontraríamos para o almoço. Nos beijamos como sempre e seguimos nossos
caminhos. Entretanto, aconteceu que ao chegar no escritório, percebi que tinha
esquecido uns relatórios que levei para casa, no sentido de dar uma geral
observando alguns detalhes que poderia ter esquecido de acrescentar. Como se
tratava de documentos confidenciais da diretoria, envolvendo uma série de
questionamentos no quadro funcional da empresa, achei por bem não mandar o boy
ir buscar e eu mesmo fazer esse serviço.
-Você conhece Débora, aquela moça que minha mãe
mandou pra nós lá do interior? Ela é de família pobre e veio para ajudar no
trabalho e estudar a noite.
-Como eu vou esquecer aquela gata! A menina é um
tesão mermão! Que corpo, que bundinha, que perninhas torneadas, que peiti...
-Para cara! Porra! Eu estou desesperado e você vem
com esse papo sacana! A merda toda foi por causa dela, pois, desde que ela
chegou, Tereza olhou e achou que ela era muito bonita para ficar lá em casa,
mas, como confiava cegamente em mim, terminou concordando. Porém, ficava sempre
me policiando quando a menina transitava dentro de casa com roupas mais à
vontade, olhando de soslaio se eu estava observando. Eu me fazia de inocente,
mas percebia sua fiscalização.
-Já sei, você comeu a menina!
-Pô, Júlio, deixe eu lhe contar, não vá
precipitando os fatos, pois foi exatamente isso que Tereza está pensando e
aconteceu essa merda toda.
Bem, aí eu retornei para casa e ao chegar, eram
mais ou menos 09:15 hs., abri a porta, olhei pela sala, fui à cozinha e não vi
Débora. Achei estranho não ter ninguém em casa, aí ouvi o barulho do chuveiro
aberto nas dependências de empregados e, por baixo da porta, vinha uma
quantidade enorme de água escorrendo pela área de serviço. Chamei duas ou três
vezes por Débora e ninguém respondeu. Bati na porta e o silêncio continuou,
somente o chuviscar do chuveiro era audível. Então, preocupado com alguma
coisa, imaginando que ela tinha saído e deixado à torneira aberta, resolvi
entrar para olhar. E deparei-me com ela completamente nua, desmaiada no chão do
Box e a água caindo em suas costas, sem que ela desse o menor sinal de vida.
Assustado, fechei chuveiro, estando o banheiro
totalmente embaçado pelo calor da água, sacudi ela várias vezes e nenhuma
resposta ou reação ela apresentou. Carreguei ela até a sala, coloquei no sofá,
peguei uma toalha e comecei a enxuga-la, pois, mesmo com a água quente que
caíra em seu corpo, este estava completamente gelado. Como ela estava meio roxa
e sua respiração era fraca, no desespero resolvi fazer respiração boca-boca no
sentido de reanima-la, até telefonar e chamar o Samu para socorre-la.
Aí aconteceu a merda toda! Inesperadamente, entra
Tereza sem que eu percebesse, já que estava agoniado com a situação, e fica
observando eu boca com boca com a menina, que, naquele momento, despertou do
seu desmaio e olhando que estava nua começou a gritar: Me largue, não faça isso
comigo não! E pegou a toalha e saiu correndo para o seu quarto. Quando eu me
levantei com o susto que tomei, olhei pra trás e só ouvir Tereza dizer: Seu
cachorro descarado! Eu disse que só voltaria ao meio dia e você veio aqui
atacar a moça!
-Não é nada do que você esta pensando, vamos lá no
quarto dela que ela vai lhe explicar a verdade.
Saímos os dois em direção ao quarto de Débora e lá
chegando encontramos ela chorando aos prantos e Tereza foi logo perguntando: O
que foi que aconteceu? Conte-me toda verdade!
-D. Tereza eu estou tão envergonhada e nervosa. Mas,
o que me lembro é que eu estava tomando banho e quando eu caí em mim, seu Júlio
estava me beijando no sofá. Não sei o que ele fez comigo que eu não me lembro
de mais nada. Graças a Deus a senhora chegou, senão não sei o que seria de mim.
-Seu canalha! Não respeita nem a sua própria casa!
Fazer isso com uma menina de 17 anos de idade. E foi tudo bem tramado já que
você sabia que eu só voltaria ao meio-dia, mas o salão não pode me atender e eu
voltei mais cedo. Por essa você não esperava!
-Que bronca da porra, velho! Mas fique frio que a
menina vai se explicar melhor depois e acabar com esse mal entendido.
-Que nada! Voltei a perguntar se ela não se
lembrava que havia desmaiado durante o banho e ela disse que não se lembrava de
nada a não ser que eu tinha levado ela para a sala e fiquei beijando sua boca.
Acredito até que não seja maldade dela. Talvez seja daqueles brancos que dá na
mente das pessoas e ela, sem maldade, esteja me incriminando. Mas, que fodeu
comigo, fodeu! Pois eu tornei a perguntar severamente e ela disse que estava
tomando banho, quando ouviu um barulho na sala, se assustou pensando que era
algum ladrão e não sabe dizer se desmaiou antes ou foi na hora que eu entrei no
banheiro. Daí pra frente ela disse que imagina que eu a vendo naquele estado e
sem roupas a levei para o sofá da sala e comecei a alisa-la e beija-la. Então
ela acordou e saiu correndo com medo de ser estuprada. Mas, graças a Deus
D.Tereza tinha chegado na hora H e evitado a consumação do ato.
-Fale a verdade cara, não foi você que estava
querendo fazer uma sacanagem com a menina não?
-Você é louco, rapaz! Se fosse eu iria mentir para
você. Poderia até dar testa com Tereza, mas com você eu iria me abrir.
-Tudo bem! Agora fique calmo, descanse um pouco,
ligue para a empresa dando uma desculpa que só poderá retornar a tarde e, ao
meio-dia, iremos juntos lá em sua casa e eu vou conversar com Tereza e ajeitar
a situação.
No horário combinado, pegamos o carro e seguimos.
Não nego que estava me cagando de medo e nervoso demais, preocupado com a
receptividade que teríamos.
Quando chegamos, Júlio tocou a campainha, pois eu
nem quis abrir com minha chave, evitando tomar o susto de ver que a fechadura
tinha sido trocado o segredo.
Após alguns segundos a própria Tereza veio nos
atender. Mas, ao me ver, mandou que eu me retirasse imediatamente, falou que já
havia mandado a menina para o interior para junto da sua família, e que Júlio
desculpasse, mas, qualquer diálogo seria agora através do seu advogado. Pois,
não foi ninguém que lhe contou nada não, foi ela mesmo que viu com seus
próprios olhos! Dizendo isso, bateu a porta em nossa cara e nos deixou a ver
navios.
Com aquela atitude, não tive nem ação de dizer
alguma coisa. Voltei para o carro, entrei e chamei Júlio para irmos embora. No
caminho evitei falar alguma coisa, pois senti pelos olhares de Júlio que ele
não estava também acreditando em mim. Então... pra que perder o meu tempo
tentando dar explicações.
Ao chegar, me despedi sem puxar mais algum papo,
peguei o meu carro e fui direto para meu escritório. Lá chegando pedi à
secretária que me reservasse um apart-hotel. Ela, meio espantada e tímida,
perguntou: Em nome de quem?
-No meu nome! Diga que chegarei a noite. E antes
que você pergunte, vou dizer-lhe que tive um problema com minha mulher e vou
ficar uns dias em um hotel até acertar ou não a situação.
-Sim senhor! Farei a reserva agora mesmo. Posso
ajuda-lo em alguma coisa?
-Ligue para Tereza e peça para ela fazer o favor
de colocar algumas roupas minhas em uma mala, que vou mandar o motorista ir
buscar no fim da tarde. Não deixe de dizer “por favor” e nem puxe ou adiante
alguma conversa. Fale só o necessário.
No
decorrer da semana, alguns amigos e amigas tentaram conversar com ela para que
a situação fosse revertida, mas depois que ouviam a estória, terminavam
acreditando mais nela do que em mim. A desgraçada da menina, em vez de voltar
para o interior naquele dia (para sua pequena cidade natal), chegou na
rodoviária e tomou um rumo desconhecido e, até hoje, nem sua família sabe por onde
ela anda. Imagino que depois de morar um ano em uma cidade grande, preferiu ir
aventurar a vida em outro lugar, que voltar para a miséria de antigamente. Esse
desaparecimento dela foi minha pior condenação, pois, somente a minha palavra
contra todas as evidências apresentadas por Tereza, era e foi suficientes para
me condenar. E foi o que aconteceu perante o juizado de conciliação e a
sentença final. Foi minha palavra contra a dela, mas, havia a minha confirmação
de todos os fatos, excetuando minha alegação de que encontrei a menina
desmaiada e que estava fazendo respiração artificial. Parte essa que não
recebeu o crédito de ninguém, inclusive do cretino do meu advogado. E, para
complicar mais ainda, o advogado dela conseguiu com Tereza uma foto de Débora
de biquíni na piscina da nossa casa e fez constar nos autos. E quando o juiz
olhou a foto, eu li estampado nos seus olhos que ele estava pensando: Que
mulher gostosa!
E
a verdade é que a desgraçada era realmente um tesão de mulher, com aquele
jeitinho de menina do interior, ainda sem as malandragens das cidades grandes.
Resultado: Perdi a metade dos meus bens, respondi
um processo por ter tentado praticar atos libidinosos com uma menor, que foi
minimizado pela falta do testemunho da vítima, e ainda tive o desprazer de ver
tudo estampado no jornal denegrindo minha imagem social e de empresário.
Esse caso aconteceu há 32 anos atrás, Tereza
faleceu o ano passado vítima de um acidente, e jamais voltou a falar comigo,
morrendo com a convicção que eu era um crápula e a enganei estupidamente. Meus
amigos, durante esses anos todos, eventualmente, para me sacanear perguntam:
Você comeu ou não comeu Débora? Sinal
evidente que eles também nunca acreditaram em mim.
Espero que essa lição que sofri na pele e me
custou muito caro, sirva para que outras pessoas, antes de tomar atitudes
intempestivas baseando-se puramente em evidências, procure usar o bom senso,
ouvir com atenção as explicações necessárias, pois, nem sempre as verdades são
as que as evidências expressam.
*Escritor Membro da Academia Grapiúna de Letras –
antoniodaagral26@hotmail.com.
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