sábado, 4 de maio de 2013

Os perigos das evidências!


                                                                         *Antonio Nunes de Souza

-Saia imediatamente, seu cachorro! Gritou Tereza para o marido, espumando de raiva pelo que achava que ele havia aprontado.
-Mas, meu bem...
-Meu bem uma merda! Não quero mais ver sua cara aqui em casa e vou falar com Dr. Artur para dar entrada nos papeis de nossa separação. E uma coisa eu lhe digo: Vou dar um jeito de arrancar o que puder de você, pelos cinco anos que passei ao seu lado dando o maior carinho e amor, e você aprontando nas minhas costas.
-Você não deixa nem eu me expli...
-Não quero ouvir nada! As evidências são claras e não deixam dúvidas! Bem minha mãe dizia que você parecia ser um homem ótimo, mas achava que você era um sonso cretino, pois homem é uma raça desgraçada. Por isso que está aumentando cada vez mais o lesbianismo.
-Eu vou sair porque você parece que enlouqueceu. Já começou a dizer coisas absurdas e, além de tudo, confessar que sua mãe com aquela carinha de santa me malhava as escondidas, isso já é demais.
Dizendo isso, saí batendo a porta, mas ainda tendo tempo de ouvir Tereza dizer que não voltasse, pois ia mudar o segredo da fechadura e que eu fosse dormir na casa da puta que me pariu.
Peguei o carro indo sem direção definida, pensando na loucura que estava se passando na cabeça de minha mulher, pois na verdade ela estava completamente enganada com relação ao que estava me acusando.
Depois de dar algumas voltas pela cidade meditando sobre o que fazer, resolvi procurar Júlio, meu melhor amigo, para contar o acontecido e aconselhar-me como fazer para esclarecer aquele grave mal entendido.
-Júlio, estou numa merda que não tem tamanho! Cheguei já gritando de uma maneira que espelhava completamente a gravidade da situação.
-Calma, cara! Senta aí e me diga qual é a bronca. Algum problema de doença ou dinheiro?
-Ficaria feliz se fosse isso, mas é muito pior! Tive uma briga com Tereza e ela me botou pra fora de casa e disse que vai pedir a separação. E o pior é que não existe razão nenhuma para o que aconteceu.
-Ora porra! Estou pensando que é problema, meu amigo! Briga de casal acontece toda hora. E daqui a pouco você volta e depois de um papo já estarão aos beijinhos.
-Com minha mulher não é assim não. Ela é radical em certos casos e nesse que ela criou em sua cabeça ela não admite ou perdoa em nenhuma hipótese. Mas o pior é que nada aconteceu, foi simplesmente um mal entendido.
-Se você pode me contar, então comece logo que eu já estou curioso. E, sabendo do fato, poderei fazer algumas ponderações ajudando a esclarecer e mudar o rumo das coisas.
-Claro que conto, pois não tenho segredos para você, ainda mais que tudo não passou de um equívoco. Foi o seguinte:
Saí hoje cedo para o trabalho e Tereza falou que ia ao médico e depois ao dentista, somente voltaria ao meio-dia e nos encontraríamos para o almoço. Nos beijamos como sempre e seguimos nossos caminhos. Entretanto, aconteceu que ao chegar no escritório, percebi que tinha esquecido uns relatórios que levei para casa, no sentido de dar uma geral observando alguns detalhes que poderia ter esquecido de acrescentar. Como se tratava de documentos confidenciais da diretoria, envolvendo uma série de questionamentos no quadro funcional da empresa, achei por bem não mandar o boy ir buscar e eu mesmo fazer esse serviço.
-Você conhece Débora, aquela moça que minha mãe mandou pra nós lá do interior? Ela é de família pobre e veio para ajudar no trabalho e estudar a noite.
-Como eu vou esquecer aquela gata! A menina é um tesão mermão! Que corpo, que bundinha, que perninhas torneadas, que peiti...
-Para cara! Porra! Eu estou desesperado e você vem com esse papo sacana! A merda toda foi por causa dela, pois, desde que ela chegou, Tereza olhou e achou que ela era muito bonita para ficar lá em casa, mas, como confiava cegamente em mim, terminou concordando. Porém, ficava sempre me policiando quando a menina transitava dentro de casa com roupas mais à vontade, olhando de soslaio se eu estava observando. Eu me fazia de inocente, mas percebia sua fiscalização.
-Já sei, você comeu a menina!
-Pô, Júlio, deixe eu lhe contar, não vá precipitando os fatos, pois foi exatamente isso que Tereza está pensando e aconteceu essa merda toda.
Bem, aí eu retornei para casa e ao chegar, eram mais ou menos 09:15 hs., abri a porta, olhei pela sala, fui à cozinha e não vi Débora. Achei estranho não ter ninguém em casa, aí ouvi o barulho do chuveiro aberto nas dependências de empregados e, por baixo da porta, vinha uma quantidade enorme de água escorrendo pela área de serviço. Chamei duas ou três vezes por Débora e ninguém respondeu. Bati na porta e o silêncio continuou, somente o chuviscar do chuveiro era audível. Então, preocupado com alguma coisa, imaginando que ela tinha saído e deixado à torneira aberta, resolvi entrar para olhar. E deparei-me com ela completamente nua, desmaiada no chão do Box e a água caindo em suas costas, sem que ela desse o menor sinal de vida.
Assustado, fechei chuveiro, estando o banheiro totalmente embaçado pelo calor da água, sacudi ela várias vezes e nenhuma resposta ou reação ela apresentou. Carreguei ela até a sala, coloquei no sofá, peguei uma toalha e comecei a enxuga-la, pois, mesmo com a água quente que caíra em seu corpo, este estava completamente gelado. Como ela estava meio roxa e sua respiração era fraca, no desespero resolvi fazer respiração boca-boca no sentido de reanima-la, até telefonar e chamar o Samu para socorre-la.
Aí aconteceu a merda toda! Inesperadamente, entra Tereza sem que eu percebesse, já que estava agoniado com a situação, e fica observando eu boca com boca com a menina, que, naquele momento, despertou do seu desmaio e olhando que estava nua começou a gritar: Me largue, não faça isso comigo não! E pegou a toalha e saiu correndo para o seu quarto. Quando eu me levantei com o susto que tomei, olhei pra trás e só ouvir Tereza dizer: Seu cachorro descarado! Eu disse que só voltaria ao meio dia e você veio aqui atacar a moça!
-Não é nada do que você esta pensando, vamos lá no quarto dela que ela vai lhe explicar a verdade.
Saímos os dois em direção ao quarto de Débora e lá chegando encontramos ela chorando aos prantos e Tereza foi logo perguntando: O que foi que aconteceu? Conte-me toda verdade!
-D. Tereza eu estou tão envergonhada e nervosa. Mas, o que me lembro é que eu estava tomando banho e quando eu caí em mim, seu Júlio estava me beijando no sofá. Não sei o que ele fez comigo que eu não me lembro de mais nada. Graças a Deus a senhora chegou, senão não sei o que seria de mim.
-Seu canalha! Não respeita nem a sua própria casa! Fazer isso com uma menina de 17 anos de idade. E foi tudo bem tramado já que você sabia que eu só voltaria ao meio-dia, mas o salão não pode me atender e eu voltei mais cedo. Por essa você não esperava!
-Que bronca da porra, velho! Mas fique frio que a menina vai se explicar melhor depois e acabar com esse mal entendido.
-Que nada! Voltei a perguntar se ela não se lembrava que havia desmaiado durante o banho e ela disse que não se lembrava de nada a não ser que eu tinha levado ela para a sala e fiquei beijando sua boca. Acredito até que não seja maldade dela. Talvez seja daqueles brancos que dá na mente das pessoas e ela, sem maldade, esteja me incriminando. Mas, que fodeu comigo, fodeu! Pois eu tornei a perguntar severamente e ela disse que estava tomando banho, quando ouviu um barulho na sala, se assustou pensando que era algum ladrão e não sabe dizer se desmaiou antes ou foi na hora que eu entrei no banheiro. Daí pra frente ela disse que imagina que eu a vendo naquele estado e sem roupas a levei para o sofá da sala e comecei a alisa-la e beija-la. Então ela acordou e saiu correndo com medo de ser estuprada. Mas, graças a Deus D.Tereza tinha chegado na hora H e evitado a consumação do ato.
-Fale a verdade cara, não foi você que estava querendo fazer uma sacanagem com a menina não?
-Você é louco, rapaz! Se fosse eu iria mentir para você. Poderia até dar testa com Tereza, mas com você eu iria me abrir.
-Tudo bem! Agora fique calmo, descanse um pouco, ligue para a empresa dando uma desculpa que só poderá retornar a tarde e, ao meio-dia, iremos juntos lá em sua casa e eu vou conversar com Tereza e ajeitar a situação.
No horário combinado, pegamos o carro e seguimos. Não nego que estava me cagando de medo e nervoso demais, preocupado com a receptividade que teríamos.
Quando chegamos, Júlio tocou a campainha, pois eu nem quis abrir com minha chave, evitando tomar o susto de ver que a fechadura tinha sido trocado o segredo.
Após alguns segundos a própria Tereza veio nos atender. Mas, ao me ver, mandou que eu me retirasse imediatamente, falou que já havia mandado a menina para o interior para junto da sua família, e que Júlio desculpasse, mas, qualquer diálogo seria agora através do seu advogado. Pois, não foi ninguém que lhe contou nada não, foi ela mesmo que viu com seus próprios olhos! Dizendo isso, bateu a porta em nossa cara e nos deixou a ver navios.
Com aquela atitude, não tive nem ação de dizer alguma coisa. Voltei para o carro, entrei e chamei Júlio para irmos embora. No caminho evitei falar alguma coisa, pois senti pelos olhares de Júlio que ele não estava também acreditando em mim. Então... pra que perder o meu tempo tentando dar explicações.
Ao chegar, me despedi sem puxar mais algum papo, peguei o meu carro e fui direto para meu escritório. Lá chegando pedi à secretária que me reservasse um apart-hotel. Ela, meio espantada e tímida, perguntou: Em nome de quem?
-No meu nome! Diga que chegarei a noite. E antes que você pergunte, vou dizer-lhe que tive um problema com minha mulher e vou ficar uns dias em um hotel até acertar ou não a situação.
-Sim senhor! Farei a reserva agora mesmo. Posso ajuda-lo em alguma coisa?
-Ligue para Tereza e peça para ela fazer o favor de colocar algumas roupas minhas em uma mala, que vou mandar o motorista ir buscar no fim da tarde. Não deixe de dizer “por favor” e nem puxe ou adiante alguma conversa. Fale só o necessário.
No decorrer da semana, alguns amigos e amigas tentaram conversar com ela para que a situação fosse revertida, mas depois que ouviam a estória, terminavam acreditando mais nela do que em mim. A desgraçada da menina, em vez de voltar para o interior naquele dia (para sua pequena cidade natal), chegou na rodoviária e tomou um rumo desconhecido e, até hoje, nem sua família sabe por onde ela anda. Imagino que depois de morar um ano em uma cidade grande, preferiu ir aventurar a vida em outro lugar, que voltar para a miséria de antigamente. Esse desaparecimento dela foi minha pior condenação, pois, somente a minha palavra contra todas as evidências apresentadas por Tereza, era e foi suficientes para me condenar. E foi o que aconteceu perante o juizado de conciliação e a sentença final. Foi minha palavra contra a dela, mas, havia a minha confirmação de todos os fatos, excetuando minha alegação de que encontrei a menina desmaiada e que estava fazendo respiração artificial. Parte essa que não recebeu o crédito de ninguém, inclusive do cretino do meu advogado. E, para complicar mais ainda, o advogado dela conseguiu com Tereza uma foto de Débora de biquíni na piscina da nossa casa e fez constar nos autos. E quando o juiz olhou a foto, eu li estampado nos seus olhos que ele estava pensando: Que mulher gostosa!
E a verdade é que a desgraçada era realmente um tesão de mulher, com aquele jeitinho de menina do interior, ainda sem as malandragens das cidades grandes.
Resultado: Perdi a metade dos meus bens, respondi um processo por ter tentado praticar atos libidinosos com uma menor, que foi minimizado pela falta do testemunho da vítima, e ainda tive o desprazer de ver tudo estampado no jornal denegrindo minha imagem social e de empresário.
Esse caso aconteceu há 32 anos atrás, Tereza faleceu o ano passado vítima de um acidente, e jamais voltou a falar comigo, morrendo com a convicção que eu era um crápula e a enganei estupidamente. Meus amigos, durante esses anos todos, eventualmente, para me sacanear perguntam: Você comeu ou não comeu Débora?  Sinal evidente que eles também nunca acreditaram em mim.
Espero que essa lição que sofri na pele e me custou muito caro, sirva para que outras pessoas, antes de tomar atitudes intempestivas baseando-se puramente em evidências, procure usar o bom senso, ouvir com atenção as explicações necessárias, pois, nem sempre as verdades são as que as evidências expressam.

*Escritor Membro da Academia Grapiúna de Letras – antoniodaagral26@hotmail.com.


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