terça-feira, 4 de novembro de 2014
A viagem de avião!
Antonio Nunes de Souza*
Sentado em sua cadeira, cinto já abotoado na cintura, Leôncio com os olhos fechados recordava o que passara tempos atrás, quando, ainda rapazinho, se despediu dos seus pais e subiu na carroceria de um pau de arara, para ir procurar melhora de vida no Estado que era conhecido por todos como a salvação dos nordestinos: São Paulo. Nervoso e cheio de expectativas, não sabia o que o esperava, pois, suas calejadas mãos, apenas sabiam lidar com a enxada e não tinha nenhuma experiência na área urbana. Mas, sendo muito religioso como são os pobres do nordeste, tinha entregue a Deus a sua vida, desde a hora em que saiu da sua terra!
Tudo isso passara-se há 15 anos, quando chegou sentindo-se um minúsculo ser naquela multidão jamais vista, perdido em sua mente por alguns dias, esperando a ficha cair e se sentir mais seguro para enfrentar qualquer batente que aparecesse, no sentido de lhe dar o dinheiro das despesas de uma humilde pensão e a alimentação provida de um feijão com arroz e umas pelancas de carne de terceira que ele mesmo preparava durante a noite antes de dormir. Não era nada diferente de milhares de nordestinos que partiam sempre em busca do paraíso da famosa pauliceia, ou o El dourado dos que buscam refazer suas vidas em outras plagas! Ao seu lado, sua mulher Celina, baiana que esse pernambucano aventureiro conheceu no seu bairro e casou-se, controlando os três filhos que corriam pelo corredor do avião, olhavam pelas janelas e, sem a cerimônia das crianças ricas e habituadas a voarem, gritavam bem alto que estavam vendo as nuvens e, em algumas horas, algumas cidades ou mar lá embaixo numa distância jamais vista por eles. O pequenino e caçula, com apenas três aninhos, meio gripado, deixava escorrer pelo nariz aquele catarro e ele, sem a mínima noção de higiene, lambia ou passava a mão e limpava na sua calça nova comprada especialmente para essa histórica viagem aérea, que jamais contavam um dia pudesse acontecer!
Leôncio não abria os olhos, somente pensando em rever os seus velhos pais, dois irmãos mais velhos que se apegaram ao pedacinho de terra que tinham e, certamente, alguns outros parentes e amigos do passado sofrido, mas, cheio de carinho, amor e solidariedade que é peculiar entre os pobres. Mesmo antes de chegar, já preocupava-se com as 12 parcelas de R$ 120,00 reais que teria que pagar pelo pacote promocional para essa inesquecível viagem, jamais imaginada que um dia fosse possível.
Sem poder controlar, podia-se perceber duas lágrimas que rolavam dos olhos daquele homem, diante da emoção de ter vencido uma modéstia etapa de sua vida, mas, que tinha a significação de estar crescendo e sendo olhado como um ser humano trabalhador, honesto e vencedor!
A aeromoça ajudou a colocar os meninos em seus lugares, afivelar seus cintos de segurança e, alguns minutos depois, aterrissava o grande avião no aeroporto de Guararapes, de onde eles de ónibus seguiriam para o interior para um encontro de afetividade e saudade dos longos anos sem se encontrarem. Tudo isso foi um sonho realizado por uma família que hoje, através do trabalho, condições de projetos governamentais, estão vendo acontecer coisas que nunca podiam esperar!
*Escritor – Membro da Academia Grapiúna de Letras de Itabuna – antoniodaagral26@hotmail.com
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