sábado, 21 de março de 2015
Esse homem tem toda razão!
Antonio Nunes de Souza*
Precisando dar minha opinião na área das famosas premonições que se espalham em todo mundo, convivendo na Bahia, terra dos Orixás e crenças africanas, que misturadas com a cultura dos Tupinambás e Tupiniquins, não se pode deixar de acolher o crédito de um bom e experiente jogador de búzios que, geralmente, são pais de Santos. O escolhido deve ser Avô de Santo, pois, cabeça e barba são brancas como a pomba da paz.
Famoso pelos seus acertos passados, trabalha com hora marcada e triagem na clientela, priorizando aqueles que, de alguma forma, promova suas virtudes na mídia ou nos circuitos sociais de ponta. Vê-se logo que nosso “vovô adivinho” não tem nada de besta!
Fui recebido por um casal de jovens vestidos de branco, bem penteados e unhas feitas, demonstrando que o serviço era de primeiro mundo, apenas baseando-se nas técnicas e tradições do terceiro. A moça solicitou que sentássemos e, consultando seu computador hi-tech, checou minha consulta e, no interfone, anunciou minha presença, recebendo uma resposta numa voz sonora e forte, autorizando minha entrada.
Foi nessa hora que fiquei conhecendo o homem descrito acima. Apenas um novo detalhe: O coroa estava com um terno Pierre Cardin de cambraia inglesa, camisa Pólo, gravata que pelo corte deveria ser italiana e um sapato que não precisava se saber a marca para ver que era especial. Quando o cara apertou minha mão e pediu para sentar-me, deu um sorriso que parecia uma passeata de ambulâncias de tão brancos que eram. Tenho que confessar que me senti logo humilhado com minha calça jean comprada numa promoção de uma lojinha do calçadão da Rui Barbosa, camiseta hering e uma sandália de couro cru que comprei na feira livre em Feira de Sant’ana. Sem contar dois dentes escurecidos que tenho na frente, graças uns “canais” que fiz na juventude com um charlatão e nunca liguei para tentar consertar. Não sou chegado a vaidades, mas, naquele momento, me senti um verdadeiro cu de cobra (além de arrastando no chão, ainda situado lá no fim do rabo). Ele não me olhava com desprezo, pois sabia que tenho algum status na mídia e imaginou que eu era um dos excêntricos intelectuais que não ligam para as aparências.
Iniciando a conversa, nosso adivinho manequim foi logo dizendo: não jogarei búzios e nem irei declarar que vai morrer um grande cantor, vamos perder uma famosa personalidade mundial, que haverá novas guerras, diversas hecatombes, novas doenças e curas na medicina, etc., pois, esses fatos são normais acontecer todos os anos e estaria repetindo os clichês usuais. Vou me concentrar, estritamente, nos comportamentos do povo que, diretamente, influencia a decorrência de milhares de fatos, principalmente em nosso país.
Achei estranha essa declaração, mas, ao mesmo tempo, sincera e cheia de convicções, demonstrando que eu estava em frente a alguém que sabe o que faz e bases sociais e científicas para tanto. E, quando falei que concordaria, dei uma olhada geral na sala, que era toda azul com diversas nuances, parecendo (o que imagino) ser igual ao quarto de Roberto Carlos. E, na parede principal, vislumbrei dois diplomas de PHDs em filosofia e sociologia. Aí foi que fui sentir que o homem não era pai nem avô de Santo, era o próprio Santo! Jogar búzios para ele era coisa do passado!
-Como estou com um cliente bem informado, experiente pela idade, vivência e também estudos, farei apenas uma síntese da motivação comportamental que domina o universo humano, tornando os fatos reflexivos, por não serem ativos e ficarem, comodamente, passivos. Nesse simples jogo de palavras, estou espelhando uma sociedade que deitada no berço esplendido das omissões, vestindo o pijama do silêncio, coberta pelos lençóis dos interesses egoísticos, permitem e até ajudam a acontecer as mais absurdas falcatruas e descalabros dentro da política, vendo o povo ser assaltado por uma série de políticos e administradores públicos e, como gozam a vida equilibrada dos privilegiados, aliada as benesses que geralmente acontecem, esses cegos, surdos e mudos continuam dormindo num ronco tranqüilo de satisfação e prazer.
-Para efeito apenas de ilustração e também por tratar-se de nossa cidade, lamentavelmente, estamos presenciando, vendo, a olhos nus, os absurdos que estão sendo denunciados e comprovados, com réus confessos, saúde deteriorada, uma câmara que deveria ser de gás letal, mas... seu gás é, simplesmente, hilariante! E, mediante tudo isso, a dita sociedade organizada (?) comporta-se como disse acima, deixando nossa cidade transformar-se em um verdadeiro caos. O povo? Esse que se exploda! Depois é só dar um caminhão de areia, umas telhas, alguns blocos, uma dentadura, óculos, colocar uns trios nas festas e pronto. Nosso voto está garantido para reeleição ou para eleger os candidatos que indicarmos.
Enquanto eu ouvia calado dando o máximo de concordância, ele continuava sua séria e verdadeira explanação. É uma pena ver esse fato e não poder, num passe de mágica, modificar esse sórdido comportamento que os cegos e tolos que assim procedem não se apercebam que estão criando monstros (vide o morro do alemão), que já estão tirando suas tranqüilidades e de suas famílias. Além de viverem gradeados em casa, são passiveis de assaltos seqüestros e assassinatos. Nada mais que o efeito bulmerang que meu amigo Matheus conhece tão bem.
-Não lhe cobrarei nada pela nossa conversa, foi um prazer e espero que, mesmo em poucas palavras, tenha conseguido externar uma triste verdade que, com compromisso e boa vontade, pode ser corrigida ou minimizada. Simplesmente, nós dessa sociedade omissa e interesseira, somos os maiores responsáveis!
Com essas palavras, fechou ele sua sincera demonstração do comportamento político/ social da nossa hipócrita população. Trocamos algumas palavras por mais meia hora, agradeci e saí alegre por encontrar alguém que comunga com meus pensamentos e triste com a podre realidade. Perdi até o interesse de saber os acontecimentos futuros!
*Escritor - Membro da Academia Grapiúna de Letras de Itabuna - antoniodaagral@hotmail.com
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