Antonio Nunes de Souza*
Como é o
destino de todos os seres vivos, comigo não seria diferente. Morri,
tranquilamente, no dia que me foi determinado pelas divindades, e claro que
aceitei de uma maneira educada, chorando um pouco, da mesma maneira que procedi
ao nascer. Só não me deram um tapa na bunda e nem um peitinho para mamar.
Mas...tudo bem! Claro que tinha de ter suas diferenças, pois, antes eu estava
chegando e, naquela hora, eu estava partindo. Passei oitenta e três anos me
educando para aceitar meu retorno às origens, sem ficar chiando e querendo
mais. Comportamento bastante comum na grande maioria, que quer ter vida eterna.
Para mim foi tempo mais que suficiente.
Vocês não podem imaginar as estripulias que
tive de fazer, para poder voltar para contar como são as coisas por lá, e com
isso, matar a curiosidade de todas as pessoas da face da terra, pois, como
sabemos, cada vertente religiosa puxa a sardinha para sua brasa, e conta da
maneira que mais lhe apraz, confundindo a cabeça dos pobres e iludidos humanos!
Cheguei,
trajando meu traje passeio completo (todos os parentes nos vestem assim, pensando
que vamos a uma festa), e, educadamente, estirei a mão para o porteiro
recepcionista para me apresentar, e ele se antecipando, foi logo dizendo: Seja
bem vindo Antonio Nunes, aqui será o seu novo lar. Meu nome é Pedro e sou
responsável e chefe do Departamento Celestial de Controle do Paraíso, além de
Diretor geral do Departamento de chuvas, que está me dando um puto trabalho
ultimamente. (santo também xinga).
Rapaz... dei
um suspiro e, intimamente, um grande sorriso ao perceber que estava no céu. O porteiro
era Pedro e o departamento era celestial, então não havia erro e eu, me
imaginando um grande pecador, não esperava essa bonificação divina de ser
agraciado, indo direto para a terra prometida.
Pedro chamou
um anjo alto e robusto, e ordenou: Leve nosso novo hóspede para a ala norte e
lhe dê uma nuvenzinha de quarto e sala, com vista para o Brasil, para que ele
possa olhar sempre o país que viveu, matando assim a saudade.
Sem nada
falar o anjão me pegou pelo braço, e saímos voando até o destino, Achei um
barato tirar uma onda de super homem, curtindo o vento batendo no rosto durante
o percurso.
Aí ouvi pela
primeira vez a voz do anjo, que era um negro com mais de dois metros de altura,
e a largura dos ombros não ficava atrás: Eu vou ser seu “anjo de guarda” e não
“da guarda”. Procure andar na linha, obedecer todos os regimentos internos,
senão vai se haver comigo!
Mermão a voz
do cara era como se fosse uma trovoada. Só faltavam os relâmpagos. A única
coisa que consegui dizer foi: Sim senhor!
-Nada de senhor.
Aqui só tem um Senhor. Você basta dizer: Ok meu anjo!
Imagine
vocês eu olhar para aquela muralha com cara de poucos amigos e, meigamente,
chamar de meu anjo, Será que estão me estranhando? Não leram minha ficha
cadastral e viram que eu na terra era espada? Mas, tudo bem. Vamos ver a
continuação dos acontecimentos e nada de fazer conjecturas.
Como estava
agoniado por ter permanecido dois dias durante a cerimônia fúnebre e a viagem,
tirei a roupa e fui tomar um banho numa nuvenzinha Lorenzette instalada no
sanitário, abri um guarda roupa e estava cheio de batas de várias cores,
bordadas e simples, mas, longas e bonitas. Vesti uma branca e, pelo cansaço,
deitei e dormi como um anjo nas nuvens (a mortalidade imitando a vida).
Acordei
horas depois com o repicar de um sino e, com o som igual aos desses carros dos
cocôs-boys que ficam nas conveniências dos postos, uma voz convocava todos para
as orações da noite e, posteriormente, o jantar.
Como era a
primeira vez que ia sair e participar de uma reunião coletiva, imaginei que
iria encontrar com velhos conhecidos, e aproveitaria para dar notícias das
famílias, inclusive dizer para eles que a administração pública do mundo estava
uma merda como sempre foi. Mas, infelizmente, nada disso aconteceu!
Encontrei “meu
anjo” (ainda não me acostumei com a idéia de meu anjo) e perguntei a razão de,
entre mihões de pessoas, eu não ver nenhum conhecido? Ele, com a voz de trovão,
disse que havia uma triagem e que os conhecidos nunca se encontram por lá, para
evitar fofocas e grupões corporativistas (me fez lembrar de algo parecido aqui
na terra).
Nesse
momento, todos de pé em uma enorme e infinita nuvem, começamos a ouvir uma voz
meiga e acalentadora proferindo palavras carinhosas e de bom senso, nos
deixando leves, que chegávamos a flutuar de emoção. Perguntei a um homem que
estava ao meu lado, quem era que estava falando e ele respondeu sussurrando: É
o Cara!
E eu,
rapidamente, disse; É o Lula?
-Qualé
rapaz! É a Santíssima trindade!
Pô! Esse foi
meu primeiro mico celestial. Se meu anjo tivesse ouvido eu teria tomado uma
porrada, com certeza!
Acabada a
pregação, nos benzemos e apareceram os anjos garçons, com batas pretas e
gravatas borboletas. Chamei um e perguntei o que tinha para beber e ele,
prontamente, respondeu: Temos somente água benta com gás e sem gás. Qual você
deseja?
Sem muita
opção, pedi uma sem gás e disse: E para comer?
-Temos
manjar de molho pardo, escabeche, frito, na chapa e salada de manjar com molho
de orações!
-Pode trazer
minha água e uma salada. Peça para caprichar no Pai Nosso, salpicada de Ave
Marias, pois estou precisando muito!
Jantei essa
variação em torno do mesmo tema, voltei para minha nuvem e, na passagem pela
recepção, como Pedro estava cochilando, aproveitei para vir aqui e contar para
vocês como funcionam as coisas por lá. Maiores detalhes poderei dar no nosso
próximo encontro, caso eu tenha oportunidade de outra saída furtiva!
Um abraço e,
sinceramente, aqui está ótimo, mas, estou com saudade de todos vocês. Mas, quem
sabe se no decorrer não me depararei com grandes novidades? Aí, voltarei correndo
para contar!
*Escritor,
Historiador. Cronista, Poeta e um dos membros fundadores das Academia Grapiúna
de Letras!
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